Minas de muitos sabores
Chão de cimento queimado, fogão
construído a partir de técnicas tradicionais, quando não feito a partir dos
cupinzeiros que surgem nos pastos ou de latões embutidos nas grossas paredes de
adobe. Lingüiças ou carnes defumando, dependuradas. Chaminé ativa, fumaça
subindo pelo céu, avisando com seu aroma típico da roça que há quitandas ou
"comidas de angu" esperando os comensais.
Que mineiro nunca viveu essa
experiência gastronômica típica mineira, nem que seja em um dos muitos
restaurantes típicos de comida mineira? São muitos os cereais, são muitas as
formas de se fazer um angu com fubá de moinho d'água, de refogar verduras da
horta ou dos quintais, como couve, almeirão, taioba, cansanção,
ora-pro-nobis... O que dizer do quiabo, da abóbora-menina, da abobrinha? E o
pastel de angu? E o galopé? E o chuchu com bacalhau? O torresmo crocante, a
carne na lata de gordura, o pernil temperado, o leitão à pururuca, o feijão
tropeiro, o franguinho caipira? Não há como não venerar essa raiz cabocla,
caipira que temos nas Minas Gerais e que faz da nossa cozinha uma das mais
saborosas do país, recebendo influências que vão dos indígenas aos fricanos,
passando, obviamente, pelos colonizadores europeus. Por isso, a chamada cozinha
tradicional ou típica mineira foi forjada a partir dos séculos XVIII e XIX e em
dois momentos distintos e complementares: o de escassez, no auge da mineração
do ouro, e o de fartura, com a ruralização da economia regional.
Essa origem e composição da
cozinha tradicional e típica mineira que a nós foi legada nos remete à análise
de dois períodos históricos que marcaram a vida econômica, social, política e
cultural em Minas Gerais: o período da mineração, cujo apogeu se deu no século
XVIII; e o período da "ruralização", momento de concentração da vida
econômica e social nas fazendas, que sucedeu ao declínio das minas e durou do
final do século XVIII até o início do século XX.
Alguns dos principais pratos da
culinária regional mineira, como o feijão tropeiro, o angu de milho verde ou de
fubá com frango, a paçoca de carne seca, farofas, couve, o lombo e o pernil
assados, leitão à pururuca, o torresmo, o tutu e toda uma série de pratos em
que predominam as carnes de porco e de frango atravessaram os séculos até
chegar a nós como um verdadeiro manjar dos deuses para agradar ao céu de nossa
boca...
Tradição renovada
Dos índios vieram o escaldado, o
pirão, a paçoca, as farofas, os pratos à base de mandioca e de milho, que se
derivaram para as canjicas, mingaus e papas. Dos portugueses proveio a
utilização do ovo da galinha, que propiciou um farto rendimento culinário:
fritadas, doces, bolos, ovos cozidos, estrelados, quentes, moles, baba-de-moça,
doce de ovos, fios de ovos e gemada com vinho do Porto. O açúcar conquistou a
todos. Escravos, sertanejos, caçadores, romeiros tinham na rapadura com farinha
uma provisão nacional. Em Minas, melado com farinha e, mais tarde, com queijo,
tornou-se receita consagrada de geração em geração. Surgia a sobremesa, que
nativos e africanos desconheciam, reproduzindo-se e recriando-se doces que já
eram parte da tradição portuguesa, adicionados a elementos nacionais como
amendoins e castanhas nativas, pacovas (bananas da terra), cajus, araçás e
ananases. As compotas aproveitaram as frutas nativas e aquelas que o português
trouxe para os quintais brasileiros. Os engenhos locais forneceram a rapadura,
melado ou açúcar. A preferência pelo doce em relação às frutas foi uma
influência lusa que se mantém até os dias atuais com muita variedade e fartura
nas mesas tradicionalmente mineiras.
Misturas finas
Nas casas, no cotidiano, a lógica
da economia de tempos difíceis impôs os alimentos cozidos e o aproveitamento de
tudo, inclusive das sobras, gerando composições igualmente saborosas. As
farofas e as sopas aproveitavam as sobras de carnes, legumes, feijões e
verduras, que ainda compõem o cardápio do mineiro contemporâneo. O mexido, uma
mistura de tudo que sobrou, era comido na primeira refeição da manhã, antes da
saída para a lida ou no jantar. Esse prato perdura ainda hoje, sobretudo em
fazendas, no interior de Minas Gerais ou nas madrugadas da capital mineira, em
muitos restaurantes de cardápio mais popular e nos botecos.
O lombo, a leitoa e a galinha
assados eram pratos de festa, de domingo, de visitas. Na intimidade do
dia-a-dia, os cozidos predominavam: o feijão, o angu, o mexido, verduras e
legumes cozidos, ou os legumes com carne, frango com quiabo, por exemplo,
mandioca e canjiquinha com carne, podendo ser costela ou suã de porco, costela
de vaca e outros.
Pés no chão, olfato na cozinha
Leite em abundância, queijos
variados e ovos possibilitaram a ampliação das quitandas e doces - legados da
tradição portuguesa. A canjica com leite era sobremesa constante nas fazendas
e, em algumas casas, era a ceia mais apreciada antes de se deitar. Com o
acréscimo do amendoim, fez-se a nossa canjicada. A carne de vaca se tornou mais
presente na mesa mineira, mas demorou um século para substituir o costume de
consumir, preferencialmente, carne de frango e de porco, que ainda hoje
predominam nos pratos típicos. A presença do café também se tornou definitiva.
O bule no fogão a lenha é um forte elemento do cenário da cozinha mineira, onde
o café, sempre quentinho, era servido acompanhando as quitandas, no
encerramento das refeições, ou na primeira refeição do dia, adoçado com
rapadura.
Quitandas e queijos
Em Minas, o queijo, que hoje é
uma das mais fortes identidades culinárias do Estado, foi importado de outras
regiões do país, até o final do século XVIII. No cardápio do início do século
XIX, os queijos apareciam citados à sobremesa, acompanhando doces ou como
complemento de ceias noturnas. No café da manhã, acompanhavam farinha, café, ou
angu com leite. A expansão do consumo de queijo em Minas ocorreu como
conseqüência da necessidade de se aproveitar o leite nos locais da província
onde se intensificava a pecuária. Hoje, o queijo de Minas ou frescal é iguaria
mineira disputada por turistas de todo o país e artigo vendido nos aeroportos
quase como um souvenir da cultura gastronômica regional.
Referência bibliográfica: Abdala,
Mônica Chaves in Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano XLII - N º 2 -
Julho-Dezembro de 2006
FONTE: www.mg.gov.br
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